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10/12/2016 12:28

O desespero dos assentados em detrimento do progresso

A distribuição de terras no Brasil sempre ocorreu de maneira desonesta, em privilégio de poucos e em detrimento de uma enorme maioria. Já em 1534, ou seja apenas 34 anos após o descobrimento do nosso país, o rei de Portugal,  D. João III, dividiu nossas terras em 15 lotes e os doou à 12 amigos aos quais chamou de donatários.

Ou seja, já começou desonesto, pois a conta não fecha: 15 pra 12! Alguém ficou com mais. Passados cinco séculos, se torna cada dia mais difícil fazer a redistribuição dessas terras. De um lado, uma minoria latifundiária voraz por riqueza e que não leva em conta as conseqüências para atingir este fim; nada preocupada com a socialização do capital.

De outro, milhares de pequenos produtores rurais lutando por um pedaço de chão de onde possam tirar o sustento de suas famílias. Gente consciente da importância do trabalho para o desenvolvimento humano. Todos governados por um sistema capitalista cada vez mais voltado ao agronegócio e ao desenvolvimento industrial.

Este cenário fica claro cada vez que avançamos em direção ao interior do estado de Mato Grosso. Por todos os lados concentração de terras e gente vitimada por uma reforma agrária capenga, demorada e hoje, com este governo golpista e ilegítimo instalado no país, cada vez mais distante de seu papel fundamental: fixação do camponês na terra com plenas condições produtivas dentro do sistema de agricultura familiar.

Não obstante às enormes dificuldades em se assentar as milhares de famílias que aguardam sob as precárias condições de um barraco de lona, onde qualquer estação trás desconforto, as milhares de famílias já assentadas, muitas delas há décadas, agora se deparam com mais um grande motivo para lhes tirar o sossego e o sono, os bloqueios de seus cadastros junto ao SIPRA – Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária. Os bloqueios que atingiram mais de 400 mil famílias no Brasil, sendo que das 81.459 famílias assentadas em Mato Grosso, 55 mil, 67,51%, foram bloqueadas pelos efeitos devastadores do acórdão 775/2016 do Tribunal de Contas da União. Acórdão que é resultado de uma série de fatores, podendo ser destacados:


A)     Desinformação por parte dos técnicos do TCU que não conhecem a realidade dura das famílias assentadas;
B)     Falta de sintonia entre o INCRA Nacional, sua Procuradoria Federal e o TCU;
C)     Legislações ultrapassadas  e que destoam, nos dias atuais, das realidades do homem e da mulher do campo no Brasil atual.


Numa análise sem filosofias, pisando o chão duro da roça e sob o sol causticante que queima profundamente a pele dos homens e mulheres do campo, é possível afirmar que mais de 90% das motivações apontadas pelo TCU para bloquear os beneficiários da reforma agrária, e trazer-lhes dor e sofrimento, não se sustentam. Ora, a dona Maria não era merendeira quando foi assentada pelo INCRA, assim como o seu João não era motorista do ônibus escolar e a dona Antônia não era professora. Hoje, todos eles trabalham para possibilitar que os filhos das famílias assentadas possam ter acesso a educação pública.

O Natanael não era Vereador quando fez a luta pela desapropriação do imóvel, nem quando foi selecionado e homologado. Como liderança, que se fez na luta, foi escolhido pela comunidade, se candidatou e foi eleito vereador para na Câmara Municipal e assim continuar fortalecendo o assentamento em que vive através das políticas públicas. Assim, a única saída inteligente para tal bloqueio, é desbloquear imediatamente todas as famílias que hoje se encontram negligenciadas pela própria autarquia que um dia as reconheceu como cliente do PNRA.
Também se faz urgente que sejam atualizadas as legislações que dispõe sobre o PNRA, principalmente a lei 8.629/93 que se encontra completamente ultrapassada, e que se aplique a lei 13.001/14 e o decreto 8.738/16 que clara e modernamente afastam todos os argumentos utilizados pelo TCU para abrirem feridas profundas em milhares de homens, mulheres, idosos e crianças que ainda lutam todos os dias para manter a tradição de um Brasil rural, comprometido com a produção dos alimentos que mantém em pé e com energia mais de 200 milhões de brasileiros e brasileiras.

Ultrapassada esta questão, mais difícil ainda é ver que muitos assentados que já conquistaram suas parcelas – e logo receberão os títulos, segundo o Incra - estão levando rasteira de uma empresa de serviço público bem aos olhos do desgoverno usurpador, do Ministério Público Federal e do tucano governo do estado sem que nada seja feito.

Estou falando dos trabalhadores rurais dos assentamentos Wesley Manoel dos Santos, em Sinop, e 12 de Outubro, em Cláudia: vítimas do progresso, se assim posso chamar a construção de mais uma usina hidrelétrica. Neste caso, capitaneada pela CES (Companhia Energética Sinop).


Para que a UHE saia do papel e se faça a famigerada produção de energia elétrica no norte do Estado, cerca de 250 famílias destes assentamentos ‘serão afogadas’ em breve quando abrirem as comportas para formar o lago da usina. O projeto foi aprovado por todos os órgãos ambientais, tanto em nível federal quanto estadual.

O ministério Público Federal “deu ok” exigindo apenas que a CES reassente as famílias. O Incra por sua vez, “avalizou o projeto” e garantiu a titulação daqueles assentamentos para os próximos dias. Mas a Companhia Energética de Sinop... Essa, não parece nem um pouco preocupada em garantir “o sossego” e a tranquilidade esperados por estas famílias.


Como acreditar que de fato este governo federal está preocupado com a agricultura familiar e com o progresso da mais importante região do Estado - que mais contribui com o PIB do país todos os anos? Estamos falando de um sistema que subsidia a produção de energia, o agronegócio e despreza a agricultura familiar que é responsável por mais de 70% da alimentação dos brasileiros.
Como acreditar num Estado que permite que uma prestadora de serviço outorgado por ele prejudique tão importante parcela da sociedade sem que nada seja feito para pelo menos amenizar o problema? Na verdade, para obrigar esta concessionária a cumprir acordos legais! Contrariamente ao compromisso com as famílias que serão atingidas, uma comitiva de políticos liderada pelo vice-governador Carlos Fávaro, acompanharam o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, em visita às obras de construção da Usina Hidrelétrica Sinop, no último dia 30 de novembro. Certamente, em momento algum cobraram da CES o compromisso de reassentar as famílias a serem atingidas pelas águas assim que as comportas forem liberadas.
Nada mais resta à sociedade do que exigir do poder legislativo federal e estadual fiscalização ferrenha sobre os governos e seus atos. Exigir que deputados trabalhem para diminuir as diferenças sociais impedindo privilégios aos latifundiários e às indústrias garantindo aos menos favorecidos o gozo de seus direitos.


Aqui, na Assembléia Legislativa de Mato Grosso, vou continuar lutando contra todos os desmandos; e neste caso da construção da usina em Sinop exigir da CES o cumprimento do acordo firmado há dois anos com o Ministério Público Federal, o Incra e com as 214 famílias do assentamento Wesley Manoel dos Santos, de Sinop, e as outras 30 famílias do assentamento 12 de Outubro, de Cláudia. Não irei descansar até que todas estas famílias sejam reassentadas e tenham todos os seus direitos garantidos. Contem comigo.
*Valdir Barranco é deputado estadual em Mato Grosso.

Por Valdir Barranco


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